CAPES AFIRMA QUE MÉTODO DIALÉTICO-MATERIALISTA NÃO É CIENTIFICO

 

Entrevista  exclusiva com Ivanete Boschetti

 

O parecer negativo da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) ao projeto “Crise do capital e fundo público: implicações para o trabalho, os direitos e as políticas sociais” faz vir à tona uma questão crucial para as ciências humanas no Brasil. Não pela recusa em si, mas principalmente pela justificativa utilizada pelo parecerista responsável. Nele está escrito que o projeto não tem mérito técnico-científico porque é fundamentado no método dialético-materialista histórico, e este, segundo tal parecerista, não é científico. E, partindo dessa premissa, todos os demais quesitos foram desqualificados. Leia o parecer do CAPES http://cressrj.org.br/wp-content/uploads/2014/06/Parecer-1.pdf

Pluralidade, liberdade ideológica e respeito à história do pensamento ocidental dos dois últimos séculos foram desprezados. E, coincidentemente ou não, nenhum projeto do Serviço Social foi aprovado no referido edital. Cerca de 90% dos aprovados são das áreas exatas e biomédicas.

Apresentado por um grupo que reúne três instituições de ensino superior públicas (UnB, UERJ e UFRN), 19 docentes pesquisadores (sendo quatro pesquisadores bolsistas do CNPq), nove doutorandos/as, 15 mestrandos/as e 27 discentes da graduação, também sua não recomendação porque as equipes proponentes e associadas haviam acabado de participar de um projeto com duração de quatro anos. Porém, o Edital 071/2013, no qual o grupo se baseou, não apresenta como critério de recomendação ou não a participação anterior em outros editais.

No dia 30 de maio o grupo de pesquisadores impetrou recurso conforme prevê o edital. Como o espaço para tal ação é de apenas 5 mil caracteres, um documento de recurso mais detalhado foi enviado ao presidente do CAPES.

Leia o recurso apresentado http://cressrj.org.br/wp-content/uploads/2014/06/Recurso-Procad-UnB-UFRN-UERJ-1.pdf

 

O que há no recurso

 

No item Formação e aperfeiçoamento de recursos humanos, o parecer diz: “Sim, entretanto, a formação proposta estaria no âmbito do método marxista histórico-dialético, cuja contribuição `a ciência brasileira parece duvidosa” (erro de digitação está no texto do parecer).

Tomando por base esta afirmativa, o recurso apresentado pelo grupo de pesquisadores questiona, textualmente, “O que seria das ciências sociais e do estudo da Formação Social, Econômica e Política Brasileira se não dispusessem de obras de autores como Florestan Fernandes, Caio Prado, Octávio Ianni, Paulo Freire, Carlos Nelson Coutinho, Francisco de Oliveira, Leandro Konder, Roberto Schwarz, Antonio Cândido, Jacob Gorender, Nelson Werneck Sodré, Marilena Chauí, Emir Sader e José Paulo Netto, para citar alguns autores que fizeram e fazem ciência social baseados no Método do Materialismo Histórico Dialético? São autores reconhecidos mundialmente como essenciais na formação de gerações que pensam criticamente a realidade social e contribuíram e contribuem enormemente para desvendar o Brasil e as reais e múltiplas determinações da desigualdade econômica e social, para explicar os processos de estratificação social e concentração de propriedade, renda e poder, além do amplo universo de reivindicações de direitos presentes em praticamente todas as cidades brasileiras, bem como em nível mundial”.

Ter um projeto não aprovado faz parte das regras democráticas, destaca a equipe. Mas os critérios utilizados demostram para que caminhos a universidade brasileira pode estar se dirigindo. Conheça, pelos links abaixo, os documentos referentes ao parecer e o recurso.

Não apenas o Serviço Social, mas as ciências sociais como um todo precisam estar atentas aos critérios apresentados pela CAPES. Afinal, o parecerista acaba sendo “parte” da instituição, manifestando-se em seu nome.

Há na Internet um abaixo-assinado direcionado ao presidente da CAPES, Jorge Guimarães: Em defesa da liberdade acadêmica e das ciências humanas e sociais. para participar é só clicar aqui https://secure.avaaz.org/po/petition/Presidente_da_CAPES_Jorge_Guimaraes_Assegurar_a_liberdade_de_escolhas_teoricas_teoricometodologicas/?launch

 

Leia, abaixo, entrevista com a coordenadora do projeto, professora da UnB, Ivanete Boschetti.

 

As Perguntas

1) O que pode significar para as ciências sociais no país a posição do parecerista do CAPES ao afirmar que o método dialético-materialista histórico não é científico?

Ivanete Boschetti – . Por um lado significa um total desrespeito à liberdade de escolha teórico-metodológica, que expressa cerceamento e filtro ideológico na seleção de projetos para recebimento de recursos públicos. Isso fere totalmente princípios constitucionais de isenção, impessoalidade e objetividade no trato da coisa pública. Por outro lado, significa uma desqualificação e desrespeito ao Método Dialético-Materialista, que fundamenta, historicamente, uma das mais profícuas e importantes fontes de produção de conhecimento e explicação sobre as relações sociais e a sociedade, no Brasil e em todo o mundo.

 

2) Que impacto o argumento desqualificador do método materialista-histórico como método científico teria para as estratégias de implementação do Projeto ético-político da profissão tanto no âmbito da formação quanto no âmbito do trabalho profissional?

Ivanete Boschetti – Esse tipo de argumento tenta instaurar o “pensamento único” e autoritário, que só tem um propósito: manter e reiterar a sociabilidade capitalista. Pareceres dessa natureza querem drenar o apoio à pesquisa e investimento em processos formativos conservadores, que não se colocam como preocupação o questionamento desta sociabilidade. O Projeto Ético Político Profissional tem, nos Projetos Pedagógicos fundados na teoria crítica, um importante pilar de sustentação teórico-metodológica. Assim, pareceres que ceifam a possibilidade de apoio público a projetos baseados na abordagem teórico-metodológica marxista, não estão somente realizando o cerceamento ideológico; estão também disputando o fundo público e drenando o orçamento para projetos que não criticam a ordem do capital. Defender a cientificidade do Método Dialético Materialista é, também, defender os fundamentos do nosso Projeto Ético Político Profissional.

3) Cerca de 90% dos projetos aprovados não pertencem às ciências sociais. Nem, educação, nem antropologia, comunicação… O que isso sinaliza, na sua opinião?

Ivanete Boschetti – Sinaliza uma clara priorização das áreas consideradas como “técnicas” ou que estariam, em algumas interpretações, na ponta das pesquisas científicas – exatas e biomédicas -. Significa desvalorizar e desconsiderar a contribuição das ciências humanas e sociais para o estudo e compreensão crítica da formação social brasileira, de seus processo de criação e reprodução da desigualdade social. Significa colocar estas áras no limbo da pesquisa, pois é muito difícil fazer pesquisa sem recurso publico.

4) A senhora já teve a informação de algum parecer semelhante no Brasil ou no mundo?

Ivanete Boschetti – Não. Jamais tinha ouvido falar de um parecer ideológico tão explícito e declaradamente antimarxista nas sociedades democráticas. Só vivemos a explícita perseguição ao marxismo em regimes autoritários e fascistas.