Neste ‘Dia Nacional de Luta da População em Situação de Rua’ o CRESSRJ reafirma o comprometimento do Serviço Social em defesa dos direitos humanos dessa população que representa uma parcela expressiva de usuários/as atendidos/as por assistentes sociais.
A temática relativa aos direitos das pessoas em situação de rua tem sido pautada de forma frequente pelo CRESSRJ com o objetivo de fomentar o debate profissional e a luta pela implementação de políticas públicas efetivas para essa população.
Por isso, reiteramos neste dia de luta o nosso posicionamento em defesa das políticas sociais, dos direitos da população e das atribuições, competências e ética profissional, reafirmando continuamente a luta do Serviço Social brasileiro em defesa dos direitos das pessoas em situação de rua.
Para marcar esta data e discutirmos um pouco sobre o tema, convidamos a conselheira Renata Freitas, assistente social na Prefeitura Municipal de Itaguaí e doutoranda em Serviço Social.
(CRESS Rio de Janeiro) Quais têm sido os maiores desafios do trabalho do serviço social junto à população em situação de rua?
(Renata Freitas) São inúmeros os desafios e pontuo alguns neste espaço. Uma questão a ser observada é a ofensiva conservadora que intensifica requisições institucionais e, em alguns casos, respostas profissionais de cunho higienista, filantrópico, repressor, baseadas em perspectivas proibicionistas e familistas. Entre elas as que demandam das profissionais o recolhimento de pessoas e seus pertences, o saneamento moral de comportamentos, as ações de cunho imediatista, assistencialista e militarizado e que muitas das vezes adquirem uma roupagem ou vêm aliados a um discurso de garantia de direitos.
Nunca deixamos de ter requisições conservadoras no trabalho junto à população em situação de rua, mas a intensificação traz como desafio a construção de estratégias a fim de expressarmos em nossos posicionamentos e escolhas profissionais cotidianas os princípios éticos e bandeiras de luta do Serviço Social brasileiro na atualidade. Não podemos reproduzir acriticamente as requisições institucionais que nos chegam de maneira intensa e muitas das vezes até incisiva. É preciso realizar leitura densa e crítica sobre a realidade e reflexões sobre nossas atribuições, competências e revisitar o código de ética profissional o tempo todo.
O contexto de regressão de direitos nos desafia igualmente, intensificando a necessidade de um olhar para a perspectiva do direito à cidade na atuação junto à população em situação de rua e a defesa de políticas sociais de qualidade, considerando uma concepção ampliada de Seguridade Social defendida pelo Conjunto CFESS/CRESS e a intersetorialidade defendida na Política Nacional Para a População em Situação de Rua.
Em um ano eleitoral, é preciso atenção redobrada para requisições e ações de cunho eleitoreiro, que utilizam-se do preconceito contra pessoas em situação de rua a fim de legitimar socialmente ações higienistas e violadoras de direitos.
(CRESS Rio) Como você analisa as políticas públicas, programas, respostas do Estado à população em situação de rua, em especial no estado do Rio de Janeiro na atualidade?
(Renata) Infelizmente o que percebo é um aumento da institucionalização de respostas higienistas, filantrópicas e militarizadas: ações sociais pontuais em detrimento dos necessários subsídios para fortalecer serviços já existentes e, a depender da política de que estamos tratando, tipificados; aumento de “ações” e “abordagens” em conjunto com as forças repressivas do Estado e limpeza urbana vestindo a roupagem ilusória de garantia de direitos de pessoas em situação de rua. Estas ações e abordagens geralmente são apresentadas e comunicadas à população com uma estética filantrópica de ajuda, de “recuperação” de pessoas em situação de rua, demonstrando um olhar que criminaliza este grupo populacional, ao mesmo tempo em que o coloca como passível à filantropia moralizadora, o que também aponta para estratégias higienistas.
Observamos enormes retrocessos nos direitos de pessoas em situação de rua, com as mencionadas ações muitas das vezes substituindo ou se sobrepondo a serviços que visam garantir a proteção social a tais sujeitos.
Tivemos alguns avanços em anos anteriores, mas hoje o que vemos é uma regressão de direitos, e muitas das vezes uma destruição de serviços para a população em situação de rua “por dentro”. Não é em todos os recantos, havendo que se destacar que existem lugares que vêm sendo contrapontos a esta lógica conservadora e retrógrada.
(CRESS Rio) Qual é a sua avaliação acerca da atuação profissional em abordagens com pessoas em situação de rua de cunho higienista e repressivo?
(Renata) Abordagens sociais em conjunto com forças repressivas do Estado, “recolhimento de pessoas”, “retirada forçada” de pessoas dos locais de permanência, ofertas truculentas ou autoritárias para acolhimento institucional, abordagens que tenham como objetivo uma produção de “espetáculo eleitoreiro” ou o cerceamento de comportamentos, são violadoras de direitos. A quem, afinal busca-se proteger com elas? A propriedade privada? Às pessoas em situação de rua é que não!
Os serviços, e aqui destaco os serviços socioassistenciais devem ter como características a garantia da proteção social às pessoas em situação de rua, o planejamento e continuidade das ofertas.
É preciso compreender que estas abordagens não coadunam com a defesa de que pessoas em situação de rua tenham direito à moradia, saúde, previdência social, trabalho, educação, lazer, transporte, assistência social, alimentação, segurança, à participação social, entre outros.
Assistentes Sociais não devem coadunar com abordagens de cunho higienista e repressivo e neste sentido há documentos, acúmulos e demais orientações do Conjunto CFESS/CRESS que respaldam uma atuação profissional na direção da nossa Lei de Regulamentação da Profissão e do que está normatizado no código de ética profissional. Entre muitos outros princípios que constam em nosso código de ética, destaco um , que é a “defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo”. Entre as orientações existentes , destaco o Termo de Orientação sobre “Atuação de Assistentes Sociais na abordagem a pessoas em situação de rua”, em sua primeira e segunda edições, publicadas pelo CRESS Rio de Janeiro.
Profissionais assistentes sociais, de outras categorias profissionais e usuárias/os podem e devem buscar o CRESS quando precisarem de orientação sobre o exercício profissional de assistentes sociais, a ética profissional, para realizar denúncias em casos de violações ao código de ética profissional e também, no caso de assistentes sociais, quando têm sua honra profissional ofendida por violações às suas prerrogativas profissionais.
(CRESS Rio) Quais estratégias você sugere para que assistentes sociais possam, na direção das bandeiras de luta da profissão, atuar na defesa de direitos de pessoas em situação de rua?
(Renata) Esta talvez seja uma das questões mais importantes. É fundamental que sejamos propositivas. Pode parecer simples, mas é preciso que busquemos estratégias na Lei que regulamenta nossa profissão e no código de ética profissional. Eles já nos apontam caminhos. O documento “bandeiras de luta do Serviço Social brasileiro também”. Além destes, compreendo que o documento “Atuação de assistentes sociais na política urbana” deva ser de leitura obrigatória para todas as assistentes sociais que atuem com a população em situação de rua em qualquer espaço ocupacional. Há nele uma ênfase na defesa da função social da cidade e da propriedade.
Uma das principais estratégias que posso pontuar é a articulação com espaços de organização coletiva e movimentos sociais que defendem direitos na mesma perspectiva das bandeiras de luta do Serviço Social. Apoiar, participar e realizar articulações junto a movimentos sociais que atuem na ampliação da democracia e na defesa dos direitos humanos, são direitos de assistentes sociais, bem como é um dever respeitar a autonomia de tais movimentos.
É preciso munir-se de uma leitura densa e crítica sobre a realidade para a atuação cotidiana, compreendendo seus limites, possibilidades e propondo projetos de intervenção que demonstrem a direção social da atuação, seus limites e possibilidades. Ademais, consideramos fundamental o conhecimento dos direitos de pessoas em situação de rua, em especial a Política Nacional Para População em Situação de Rua. Indico que toda assistente social que atua junto a pessoas em situação de rua conheça e tenha sempre por perto o Estatuto da Cidade.
Fomentar a participação de usuárias/os em situação de rua de maneira cotidiana nos serviços em que atuamos e em espaços de controle social e organização coletiva é uma estratégia fundamental para fortalecer as lutas da população em situação de rua.
Como o Serviço Social não é uma ilha, é preciso utilizar a prerrogativa que temos de articulação com movimentos e sujeitos de outras categorias profissionais e de usuárias/os cuja atuação coadune com nossas bandeiras de luta e desta maneira fortalecer os posicionamentos na direção da defesa de direitos humanos no interior das equipes de trabalho, de maneira coletiva.
É preciso, ademais, conhecer os acúmulos do Conjunto CFESS/CRESS e, para termos um conselho forte, participar de comissões, espaços de debate e eventos sempre que possível. Aproveitamos este espaço e convidamos você, assistente social, a ocupar o CRESS RJ conosco, participando de pelo menos um/a das diversas comissões e Núcleos de Base (NUCRESS) e fortalecendo nossa profissão e as conquistas das últimas décadas, que tem dado uma direção crítica a seus posicionamentos.