Mulheres do campo, da floresta e das águas fortalecem a luta por direitos e contra as violências
Com 13 eixos temáticos, debates, atividades político-culturais, a 7ª Marcha das Margaridas terminou em Brasília (DF) nesta quarta-feira (16/8). O CFESS marcou presença nos dois dias e caminhou junto a movimentos sociais, de mulheres e feministas até o Congresso Nacional durante toda a manhã do dia 16/8 pelo fim da fome e das violências contra as mulheres, pela defesa da terra, dos territórios e de direitos para a população.
Com o lema “Margaridas em marcha pela reconstrução do Brasil e pelo bem viver”, o evento, organizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e 16 entidades parceiras, reuniu mais de 100 mil mulheres na capital federal durante os dois dias, com rodas de conversa, mostras de produções, plenárias e seminários, o Tribunal Ético das Mulheres do Campo, da Floresta e das Águas, além da marcha na Esplanada dos Ministérios.
“Todos esses espaços estão ligados como fios de resistência e de força, que conectem as experiências das mulheres do campo, da floresta e das águas. Por isso, cada espaço na marcha está pensado como ambientes de interação e de diálogo nas mais diversas expressões políticas e metodológicas, articulados ao lema e aos 13 Eixos Temáticos”, conforme divulgado pela organização.
O CFESS foi representado pelas conselheiras Emilly Marques, Mirla Cisne, Raquel Alvarenga e pela assessora do CFESS Zenite Bogéa. Assistentes sociais também marcam presença no evento, pois a articulação com outras categorias profissionais, movimentos sociais, na defesa da ampliação da cidadania em favor da equidade e justiça social, são princípios do Código de Ética Profissional.
Agosto é mês de luta contra as violências
Em 2022, foi sancionada a Lei 14.448/2022, que institui o agosto Lilás como mês de conscientização pelo fim da violência contra as mulheres. Além disso, no dia 12/8, celebra-se o Dia de Luta contra a Violência no Campo. O ano de 2023 marca os 40 anos do assassinato da líder sindical Margarida Alves.
Em uma categoria profissional composta em maioria por mulheres, assim como a maior parte da população usuária atendida, fica ainda mais nítido que refletir sobre formas de enfrentamento às opressões e explorações que sofrem as mulheres na sociedade é urgente e necessário, assim como fortalecer a luta pelos direitos das mulheres. É o que explica a conselheira do CFESS Mirla Cisne.
“Estarmos em sintonia e fortalecendo as lutas feministas é indispensável para a valorização da nossa profissão, uma vez que a categoria é predominantemente composta por mulheres e, como tal, estamos inseridas numa divisão sexual do trabalho que nos determina diversas implicações e desafios, como os baixos salários e a desvalorização”, afirma a conselheira. Ela acrescenta que lutar por direitos e contra as violências às mulheres, portanto, não é apenas algo importante pelo compromisso ético com o público usuário, também majoritariamente feminino. “Mas também por nós, mulheres assistentes sociais. A Marcha das Margaridas representa isso, uma expressão de uma luta feminista por todas nós, considerando nossa diversidade e particularidades, mas em unidade, mulheres de todo o Brasil, juntam-se como margaridas que não saem da luta e teimam em florir sonhos materializados em conquistas de direitos e políticas sociais”, completa Cisne.
Tribunal Ético denuncia: “mulheres, água e energia não são mercadoria”
Um espaço marcante da 7ª Marcha das Margaridas foi o Tribunal Ético das Mulheres, por meio do qual participantes da atividade registraram graves denúncias de violências e violações no campo, na floresta e contra as mulheres das águas.
Os Tribunais são processos propostos para sensibilizar e chamar a atenção para os danos sofridos por mulheres em várias esferas da vida. Conforme divulgação e registros da atividade, o tribunal ético das mulheres do campo, da floresta e das águas em defesa da autodeterminação dos povos e da soberania alimentar, hídrica e energética, denunciou graves violações aos territórios e corpos das mulheres do campo, da floresta e das águas, a partir de situações vivenciadas por elas em territórios rurais, com a expansão do agro hidronegócio, das mineradoras e dos empreendimentos energéticos, e as consequências para as suas vidas. Também foram destacados os processos de resistências que essas mulheres têm experimentado. Dentre as diversas denúncias feitas, algumas seguem abaixo.
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
“Somos vítimas do sistema capitalista, extrativista. Somos vítimas do modelo capitalista brasileiro que oprime mulheres e constroem barragens. Resistimos aos crimes cometidos pela mineradora Vale no Estado de Minas Gerais e no Espírito Santo, nos casos de Mariana e Brumadinho. As mulheres são as que mais sofrem. As barragens destroem espaços humanos e de sociabilidade. As mulheres sofrem diversos tipos de violações. Vivemos em regiões onde a água de beber, cozinhar e plantar. Nossas regiões são ocupadas pelas transnacionais que veem o Brasil como território para contaminação. O povo vive muito pobre. Somos injustiçadas com o preço abusivo da conta de luz, de gás. Sofremos a dor de sair de nossas casas e terras para dar lugar a grandes barragens. Conhecemos a dor da miséria, do machismo e da misoginia. Vivemos o medo de ser acordadas na madrugada da lama”.
Movimento Interestadual de Quebradeira de Coco Babaçu (MIQCB)
“Defendemos a floresta de babaçu sem desmatamento. Defendemos a lei do babaçu livre porque sem o coco babaçu as mulheres não existem. A maioria das mulheres rurais cozinham com o óleo do babaçu. A maioria das quebradeiras de coco precisam da nossa floresta de babaçu em pé. A lei do babaçu existe no Tocantins, Maranhão, Pará e Piauí, em vários municípios, mas ela tá sendo ameaçada pelos fazendeiros. A gente denuncia a forma de manejo do babaçu dos grandes fazendeiros. Eles levam todo o babaçu na frente do trato e quem tiver na frente eles levam também. No ano passado aconteceu uma mãe e um filho foram levados pelo trator junto com o babaçu. A floresta, os bichos que estão na terra… A denúncia das nossas terras é muito doída. O envenenamento acontece dessa forma: coloca o veneno na pindoba, no olho do babaçu. Matar uma palmeira é matar uma mãe de família”.
GT Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)
“Não atira, não atira, não atira, eu sou moradora. Essa é uma frase cotidiana nas nossas vidas. A gente vive num território onde tem operações policiais semanais. Fuzil já faz parte do nosso cotidiano. Nesse território está instalado uma pedreira que opera de maneira ilegal explorando terra. De um lado a bala, de outro a pedreira. Doenças respiratórias, casas rachadas, que não aguentam essa estrutura. Estamos falando de territórios onde nos organizamos para produzir vida, mas por dia são 20 carros do caveirão que entram para atirar, entram em nossas casas, nos assustam e nos amedrontam. O que vocês veem no cotidiano não está televisionado. A nossa reivindicação pela nossa soberania alimentar e pela construção do bem viver na favela. Favela é lugar de produção de vida e não de morte”.
As juradas Deborah Duprat, Maria Emília Pacheco, Tchenna Maso e Célia Xakriabá deram o veredicto, considerando o Estado brasileiro culpado por não desenvolverem projetos de desenvolvimento e econômicos com participação social, e que sejam aptos a enfrentar as desigualdades e as injustiças sociais históricas e, principalmente, injustiças territoriais. Afirmaram que crimes de devastação devem ser reconhecidos como crime de ecocídio e destacaram a obrigação, em qualquer empreendimento, de realizar consulta prévia livre e informada aos povos e territórios impactados, sendo que não valem consultas em que a empresa ou governo provoquem divisões na comunidade.
Também consideraram o Estado brasileiro culpado por uma falsa política de segurança pública racista, privatizada, que impede crianças e jovens de estudar, crescer, ter lazer e sobreviver! Repudiaram o projeto de lei 6299/2002 (PL do veneno) e defenderam uma política nacional de redução de agrotóxicos, que produzem efeitos nos corpos, nas águas, nos territórios, se distanciam da construção da soberania alimentar e negam o direito humano à alimentação e a vida. “O Estado favorece empresas em detrimento de direitos culturais, territoriais, das comunidades, flexibiliza direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais e nos silencia mesmo em espaços importantes de poder”, conforme posicionamento das juradas.
E o Serviço Social nesse diálogo?
A conselheira do CFESS Emilly Marques, que foi relatora em um dos eixos temáticos da marcha, aponta questões que merecem atenção das autoridades e dos movimentos sociais de mulheres. “As diversas atividades e eixos temáticos que compuseram essa potente construção coletiva da Marcha reafirmaram mais uma vez a resistência das mulheres, como ocorreu no impactante Tribunal das Mulheres. É importante nós, assistentes sociais, estarmos atentas a essas graves denúncias, pois elas podem e devem aparecer também em nossos espaços sócio-ocupacionais, durante o atendimento à população”, analisa.
Outro debate destacou dados sobre a participação política das mulheres, que ocupam apenas 17,7% das cadeiras do Congresso, mesmo depois de 30 anos de cotas. A conselheira afirma que “os dados apontam que as mulheres sofrem ainda muitas desigualdades para entrar nesses espaços, desde o machismo, a falta de apoio financeiro nos processos de campanha, a sobrecarga com todo o trabalho remunerado e não remunerado que exercem, além de, quando eleitas, sofrerem com a violência política de gênero, principalmente se for negra, lésbica, trans, jovem ou idosa, como temos acompanhado cotidianamente”, observa Marques.
De acordo com a conselheira do CFESS, não há como se ter apenas uma defesa essencialista de que todas as mulheres são aliadas das lutas contra o que fere sua existência, pois também há mulheres conservadoras eleitas, que não defendem projetos e políticas públicas em prol da vida das mulheres e de toda a classe trabalhadora. “Por isso, reafirmamos a radicalidade democrática, que é princípio ético-político de nossa profissão e nossa participação política não somente nos espaços institucionais, inclusive na direção dos nossos conselhos profissionais, mas também nos movimentos sociais e sindicais, nos espaços de controle social e, principalmente, nas lutas nas ruas”, conclui Emilly.
Governo lança projetos
O evento, realizado de quatro em quatro anos, traz para a capital federal as pautas políticas das mulheres do campo, da floresta, das águas e das cidades. Na manhã desta quarta-feira, a marcha terminou com o lançamento de projetos pelo governo federal, com a presença de ministras(os), de parlamentares e do presidente Lula.
Dentre as medidas, um plano emergencial de reforma agrária, com prioridade para mulheres, além do Pacto Nacional de Prevenção ao Feminicídio, medidas que visam a atender os movimentos sociais, de acordo com o governo.
Por outro lado, como explica a conselheira do CFESS Raquel Alvarenga, algumas demandas apresentadas pela marcha requerem luta e atenção dos movimentos, além de apoio efetivo do governo e do Legislativo, como a ampliação da participação das mulheres na política; combate ao racismo e sexismo; acesso efetivo à terra e educação; segurança alimentar; produção rural aliada à agroecologia e universalização da internet e inclusão digital.
“A Marcha se constitui como um momento único para o movimento das mulheres do campo e da cidade socializarem, para a sociedade, as reivindicações para uma qualidade de vida e construção de uma sociedade justa e igualitária. Essas demandas estão presentes nas bandeiras de luta da categoria de assistentes sociais, pois fazem parte do nosso cotidiano profissional. Assim, é necessário regularizar o financiamento e efetivar outros normativos para a materialização dessas demandas, por isso, o papel do Estado e do Legislativo é de suma importância”, completa a conselheira.
*Via Conselho Federal de Serviço Social – CFESS