Confira entrevista com a assistente social e conselheira do CRESS Rio de Janeiro, Maria Aparecida Evangelista

Em meio ao cenário político de 2023, as eleições para os Conselhos Tutelares e o debate sobre a proteção dos direitos das crianças e adolescentes vêm ganhando destaque. E o Serviço Social brasileiro está atento para a importância deste momento. Afinal, compreender a relevância desse órgão é essencial para promover um ambiente mais seguro e acolhedor para as futuras gerações

Nesta entrevista exclusiva com Maria Aparecida Evangelista, assistente social e conselheira do CRESS Rio de Janeiro, conversamos sobre o processo eleitoral que ocorrerá no dia 1° de outubro de 2023 e a significativa contribuição que assistentes sociais podem oferecer. Confira abaixo a entrevista na íntegra.

(CRESS Rio) Quando foi criado o primeiro conselho tutelar no Rio de Janeiro? Quantos estão em atuação? Efetivamente, qual a função desse conselho?

(Maria Aparecida)  Os conselhos tutelares estão previstos na Lei 8062/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA). A partir da implementação da citada Lei, os municípios, criaram inicialmente os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA, com função deliberativa. Esses, dentre as atividades, promovem a organização do processo eleitoral para conselheiros tutelares. Portanto, desde o ano de 1990, as crianças e adolescentes passaram a contar com um órgão estratégico na defesa e fiscalização dos seus direitos, zelando pelo devido cumprimento.

Os conselhos tutelares são órgãos autônomos, permanentes e não jurisdicionais, que integram a administração pública local, devendo ser acionados sempre que houver violação ou ameaça aos direitos das crianças e adolescentes. O conselheiro tutelar, portanto, age a partir da notificação ou conhecimento acerca de situações que põem em risco os direitos de crianças e adolescentes, integrando o Sistema de Garantia de Direitos.

Dentre as funções dos Conselheiros Tutelares está o atendimento às crianças e aos adolescentes cujos direitos foram ameaçados ou violados, promovendo, conforme o artigo 136 do ECA: o aconselhamento dos pais ou responsáveis; a aplicação de medidas de proteção; a requisição de serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança; o registro de denúncias de violação de direitos e a representação ao Ministério Público, sempre que necessário para a judicialização.            

No Estado do Rio de Janeiro, os primeiros Conselhos Tutelares foram implementados ainda na década de 1990, logo após a promulgação do ECA. Atualmente, conforme informações contidas no site do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes, o Estado conta com 140 Conselhos Tutelares em funcionamento, ou seja, cumprindo a função de zelar e defender o acesso aos direitos preconizados em Lei para a infância e adolescência, considerando a peculiar situação de desenvolvimento.

(CRESS Rio) Magali Franz, assistente social representante do CFESS no Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (FNDCA), afirma que eleger pessoas que se comprometam com a proteção integral preconizada pelo ECA é essencial, frente ao crescimento de pautas conservadoras e fundamentalistas no atual contexto da sociedade brasileira. Quais os principais caminhos para alcançarmos essa meta?

(Maria Aparecida) Creio que primeiro é preciso considerar que os conselheiros tutelares são, essencialmente, lideranças nos espaços onde atuam, demonstrando um protagonismo em defesa dos interesses das crianças e adolescentes, estando atentos e agindo diante de violações e ameaças aos seus direitos. Essas lideranças não atuam sozinhas, mas buscam articular ações coletivas visando a proteção da infância no território – bairro, cidade, estado – onde vive ou trabalha. Importante salientar a direção de suas ações, isto é, se potencializam/promovem ou culpabilizam as vítimas e suas famílias, por exemplo.

Segundo se faz necessário obter informações acerca das legislações e da doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente, adotada no Brasil. Essa considera crianças e adolescentes pessoas em desenvolvimento e sujeitos de direitos. Direitos esses que deveriam ser garantidos por parte do Estado e de toda a sociedade em geral. Assim, o desenvolvimento desses sujeitos ocorreria com plena segurança, mediante acesso a todos os recursos para a consolidação da sua cidadania e cujo os (as) conselheiros (as) devem defender e viabilizar.

Por fim, lembrar que os Conselhos Tutelares são órgãos mediadores das políticas públicas voltadas à criança e ao adolescente, atuando de forma executiva na fiscalização e na cobrança do bom funcionamento da rede de proteção municipal, a qual também integra. Ou seja, faz a aproximação entre a sociedade e o Estado. Daí, importante observar se os candidatos a conselheiros (as) têm essa noção/conhecimento ou se estão apenas querendo um “trampolim” para concorrer a cargos eletivos no governo (vereador, deputado, etc.) e as pautas que defendem e apresentam.

(CRESS Rio) Qual a importância de as assistentes sociais estarem, de alguma forma, envolvidas nas eleições dos conselhos tutelares?

(Maria Aparecida) Diante de uma sociabilidade que não assegura condições materiais mínimas de atendimento às necessidades humanas que viabilizem o acesso a uma vida digna, aos direitos de cidadania, as e os profissionais de Serviço Social não podem e nem devem se omitir. Fazemos parte de um contingente de trabalhadores(as) que defende e luta pela viabilização e garantia dos direitos, conforme prerrogativa de nosso Código. 

Dessa forma, as assistentes sociais devem acompanhar os processos sociais e deles se apropriar, pois ao mesmo tempo que os observa e analisa, é parte integrante destes, interferindo e fazendo a história. São sujeitos políticos e coletivos que não estão apartados da sociedade e que possuem um projeto de profissão com uma nítida direção de defesa, efetivação e ampliação de direitos na perspectiva da emancipação humana. Dessa forma, é importantíssimo a participação/envolvimento da categoria profissional no processo de eleição dos (as) conselheiros (as) tutelares, mobilizando e dialogando na e com a comunidade a fim de viabilizar escolha de pessoas que afinem com o princípio de defesa da democracia e da garantia de direitos.

(CRESS Rio) Quais têm sido as maiores dificuldades, na defesa dos direitos de crianças e adolescentes, na composição desses conselhos no estado do Rio de Janeiro?

(Maria Aparecida) Me parece que uma dificuldade comum, para além do perfil dos (as) candidatos (as), seria a limitação imposta pela ausência de infraestrutura dos espaços onde os Conselhos estariam instalados (local adequado para o atendimento, acesso a telefone, carro para visitas, computador, impressora, etc.), bem como, a falta de investimento em capacitação/formação continuada das equipes e dos próprios conselheiros (as) após eleitos (as).