Em meio a dificuldades de acesso ao evento e mais um anúncio de desfinanciamento da Política, entidades, trabalhadores, trabalhadoras e população usuária reforçam a luta coletiva em defesa do Suas
A 12ª Conferência Nacional de Assistência Social, que ocorreu em formato virtual, entre os dias 15 e 18 de dezembro de 2021, trouxe uma certeza para a categoria de assistentes sociais e todas as outras categorias de trabalhadores e trabalhadoras, sujeitos e entidades que compõem e defendem o Sistema Único de Assistência Social (Suas): se não seguirem na resistência coletiva, a política de Assistência Social pode “morrer de fome”.
Num país como o Brasil, que em 2021 tem 116 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar e vinte milhões passando fome, transferir recursos do Suas e do Seguro Desemprego para o Ministério da Defesa, para compra de helicópteros e gastos nas Forças Armadas, como denunciaram, por meio de uma nota de repúdio, várias entidades, inclusive o Colegiado Nacional de Gestores/as Municipais de Assistência Social (Congemas), o Fórum Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras do Suas (FNTSuas) e a Frente Nacional em defesa do Suas e Seguridade Social, dentre outras, este que se configura em mais um ataque do governo Bolsonaro e de uma maioria do Congresso Nacional aos direitos da população mais pobre e vulnerável, em plena pandemia.
A 12ª Conferência foi marcada pelas denúncias acerca do crescente desfinanciamento da política de Assistência Social e do sucateamento de serviços, programas, projetos e benefícios que atendem a população usuária.
A falta de diálogo e, principalmente, as barreiras impostas a participantes – especialmente usuários e usuárias – no acesso às plataformas virtuais da Conferência também foram motivo de críticas. Um espaço que deveria ser coletivo, democrático e participativo, embora com muito esforço da sociedade civil do CNAS, acabou limitado pela desigualdade no acesso às tecnologias de informação e comunicação (TICs), como o CFESS já havia alertado em agosto, na live Esquenta da Conferência.
Resistência histórica
A corajosa fala da assistente social e professora da UFPA Joaquina Barata, durante abertura na Palestra Magna, oxigenou o ímpeto de resistência da Conferência.
Acompanhe a fala completa da Profa. Dra. Joaquina Barata e demais programações da Conferência
Além de ter lembrado o aniversário de 28 anos da Loas (celebrado em 7 de dezembro) e sua importância para a vida da população brasileira, Joaquina, no auge dos seus 85 anos, foi ‘cirúrgica’ nas críticas ao governo Bolsonaro e ao chamado “Centrão” do Congresso Nacional, ambos articulados para seguirem atacando direitos de trabalhadores e trabalhadoras do Suas e de toda a população.
Joaquina comentou também sobre a extinção do Programa Bolsa Família, do impacto disso no cotidiano, especialmente onde ela vive (Belém do Pará), em que é nítido o aumento de pessoas em situação de vulnerabilidade.
A professora da UFPA lamentou também o processo de desvalorização de quem constrói o Suas dia-a-dia, seja pelos baixos salários ou pela falta de condições para o trabalho no atendimento da população e nas pesquisas necessárias sobre a realidade de usuários e usuárias.
“Não desanimemos. Esta conjuntura tenebrosa que estamos vivendo, não só por causa da pandemia, mas principalmente por esta gestão bolsonarista, vai passar, vai ser derrotada nas urnas e na história. Nossa luta continua, nossas manifestações voltarão às ruas. Elas não terão tanques, nem motos dos filhinhos de papai, nem carros de luxo dos latifundiários, nem avião do Exército em seu trajeto. Elas terão nossos pés caminhando nas ruas, nossos gritos de ‘Fora Bolsonaro’ e reconquistaremos nossas políticas públicas do Suas, do SUS e da Educação!”, conclamou Joaquina.
Avaliação do CFESS
Por meio do FNTSuas, o CFESS participou de toda mobilização e esteve presente, em participação online, na 12ª Conferência de Assistência Social, para a qual já se esperavam desafios quanto ao acesso e participação popular.
Na live do “Esquenta”, realizada em agosto pelo CFESS, a conselheira Kelly Melatti defendeu a realização das conferências, compreendendo-as como espaço legítimo e possível de resistência e mobilização, em defesa do Suas e da política de Assistência Social, mas alertava para a diversidade dos municípios brasileiros.
“Apesar de todos os problemas de infraestrutura, da dificuldade de grande parte de usuários/as de participarem, e das inúmeras tentativas de cerceamento do debate e diálogo por parte do governo, a Conferência segue sendo um importante espaço de controle social, de participação social, de canal de denúncia acerca das ausências e retrocessos no Suas e, principalmente, espaço para dar visibilidade às principais demandas por direitos socioassistenciais, acirradas e agudizadas frente às expressões da questão social, num contexto de fome, desemprego e pobreza, que acomete famílias e indivíduos”, avaliou Kelly, que acompanhou remotamente a Conferência.
Nesse sentido, ela destaca as cartas e manifestos aprovados na Conferência, especialmente a “Nota de repúdio pela retirada de recursos da Assistência Social e do seguro desemprego para destinação de recursos adicionais para o Ministério da Defesa”.
O documento, assinado por diversas entidades e sujeitos que atuam na defesa do Suas e da Seguridade, escancara mais uma manobra do governo Bolsonaro, articulado com o Congresso Nacional, em atacar a política de Assistência Social e o Suas.
“Em uma votação relâmpago na noite desta sexta-feira (17), o Congresso Nacional aprovou uma série de projetos, com o objetivo de destinar recursos adicionais para o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) ainda em 2021. Um deles aumenta os recursos financeiros para o Ministério da Defesa, compra de helicópteros e gastos nas Forças Armadas. Mas para tal destinação são retirados recursos do seguro-desemprego e da assistência social, afrontando a população que sofre as consequências da grade crise agravada no contexto de pandemia”, afirma trecho do documento, que o CFESS também é signatário.
A nota relata que um pedido do Ministro Braga Netto, avalizado pelo Ministro Paulo Guedes, o Congresso aprovou uma verba adicional de R$ 342,9 milhões no Ministério da Defesa, dos quais R$ 328 milhões serão gastos para implementação de infraestrutura; R$ 3 milhões para compra de helicópteros para as Forças Armadas; e R$ 11,9 milhões para administração das unidades vinculadas à Aeronáutica e ao Exército.
“É absolutamente inaceitável que o governo federal e o legislativo retirem recursos da população, que vem enfrentando as consequências sociais da política econômica e social em curso”, aponta outro trecho na nota, que traz os seguintes dados: o orçamento aprovado pelo Conselho Nacional de Assistência Social, órgão superior da política, para o exercício de 2021, destinado ao custeio dos serviços e ações socioassistenciais, totaliza R$ 2.669.952.606,00 (dois bilhões, seiscentos e sessenta e nove milhões, novecentos e cinquenta e dois mil e seiscentos e seis reais), tendo uma aprovação de apenas R$ 1.107.469.541 bilhão. A PLOA 2021 apresentava uma redução nas despesas discricionárias de 59,34%, comprometendo a sustentabilidade do pacto federativo e do próprio Suas.
Para a gestão do CFESS “Melhor Ir à Luta com Raça e Classe em Defesa do Serviço Social”, a medida aprovada pelo Congresso, e a própria forma como o governo esteve na Conferência, comprovam o descompromisso do governo Bolsonaro não só com a política de Assistência Social, mas com o conjunto de políticas e direitos conquistados pela classe trabalhadora.
Os sucessivos retrocessos no acesso da população à política e o desfinanciamento impetrado pelos cortes nos orçamentos exigem uma atenção e mobilização cada vez mais intensa dos/as trabalhadores/as que nela atuam, bem como dos conselhos de direitos, dos fóruns de trabalhadores/as e usuários/as do Suas, dos movimentos sociais e das autarquias profissionais.
Eleições da Sociedade Civil no CNAS vêm aí
Em maio de 2022 ocorrerá o processo eleitoral para a gestão 2022-2024 do Conselho Nacional de Assistência Social. As articulações já começaram, pois o prazo para candidatura dos segmentos da sociedade civil é até 28 de fevereiro de 2022, tanto para eleitor/a como para candidato/a.
É importante, portanto, que as entidades, representações e sujeitos que defendem e lutam pela política de Assistência Social debatam a questão representação e representatividade e busquem um diálogo para uma composição que contemple diferentes representações no segmento de trabalhadores/as, especialmente.
O CFESS possui incidência política histórica em defesa dos princípios constitucionais de Proteção Social referenciados na Constituição Federal, para a garantia de direitos de Seguridade Social no Brasil, por consequência em defesa das políticas de Saúde, Previdência e Assistência Social, além de outros direitos na perspectiva da Seguridade Social Ampliada conforme expresso na “Carta de Maceió”.
Estrategicamente o CFESS atua e vem incidindo de diferentes formas na defesa da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). A exemplo disso: na inserção do FNTSuas, na articulação do Movimento “Renda Básica que Queremos”; somando nas ações da Frente Nacional em defesa do Suas e Seguridade Social; e, acompanhando as plenárias e ações do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS); dentre outros espaços que está articulado em diferentes âmbitos nesta defesa.
Desde o início do Governo Bolsonaro, o ataque ao controle social ficou bastante explícito desde a edição do Decreto Presidencial Nº 9.759/2019, que determinou a extinção e estabeleceu diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal. Este decreto trouxe forte impacto ao funcionamento de diversas Comissões do CNAS, além de demais iniciativas que atacam o controle social e buscam tornar os Conselhos de Políticas Públicas e de Defesa de Direitos em órgãos meramente consultivos, retirando seu caráter deliberativo.
“Temos uma tarefa histórica neste momento. Precisamos, mais do que nunca, de uma articulação efetiva e de uma unidade programática para defender e fazer valer a participação popular e democrática e os direitos de Seguridade Social. A resistência e a luta em defesa do SUAS e do CNAS é também a luta em defesa da cidadania, da democracia e da participação social”, acrescenta o conselheiro Agnaldo Knevitz.
É fundamental buscar formas de articulação que fortaleçam o Suas, num período histórico em que essa defesa é o grande imperativo das pessoas que lutam por liberdades democráticas e por acesso a direitos.
“A conjuntura política do país exige que os interesses coletivos se sobreponham a qualquer outra forma de condução e articulação, por isso os espaços coletivos devem ser ouvidos, bem como as bases que compõem e constroem cotidianamente o Suas. O CFESS segue atento ao processo eleitoral, buscando diálogo com diferentes entidades e representações, para contribuir na construção de um caminho realmente representativo de todos os sujeitos que lutam e defendem a política de Assistência Social e a Seguridade Social”, comenta o conselheiro do Cfess Agnaldo, que também é representante do CFESS no FNTSuas.
Confira o edital do processo eleitoral do CNAS
Relembre: Coletânea de Textos Assistentes Sociais no Esquenta da Conferência