CRESS Rio de Janeiro conversa com a Assistente Social Izadora Praça

Hoje, 24 de maio, é o Dia Nacional do Povo Cigano e para falar sobre a importância do trabalho de assistentes sociais no atendimento às demandas dessa população, o CRESS Rio de Janeiro conversou com a Assistente Social Izadora Praça, que é mestre em Serviço Social e Desenvolvimento Regional (PPGSSDR- UFF), técnica do SUAS/ PSB no município de Resende desde 2017, referência de atendimento à População Cigana desde o início de 2021, componente do Grupo de Trabalho sobre a Comunidade Cigana em Resende e trabalhadora da Saúde Mental em Maricá desde 2021.

O CRESS Rio conversou com Izadora e depois a própria Izadora bateu um papo com duas ciganas da Morada da Barra, em Resende. Euza Batista Miranda e Sintian Soares Miranda, ambas da etnia Calon, vindas de Minas Gerais.

Confira!

(CRESS RIO DE JANEIRO) Os povos ciganos só foram reconhecidos como minoria étnica no Brasil com a Constituição de 1988. O Dia Nacional do Cigano foi instituído em 2006 em reconhecimento à contribuição da etnia cigana na formação da identidade cultural brasileira. O que você avalia que isso significa de fato?

(IZADORA) Quando fui pela primeira vez em um acampamento cigano, recebi muitas recomendações sobre como deveria ser cuidadosa e atenta com aquele povo. Pelas características narradas parecia se tratar de um povo quase bárbaro. Estávamos enfrentando o auge da pandemia e fui entregar algumas cestas básicas, como benefício eventual, para o grupo que havia demandado. Avisei que iria e ao chegar no acampamento tinha uma cadeira embaixo da árvore esperando por mim. Conversei com aquelas famílias por longos minutos e os ouvi com muito respeito. Eles me explicaram que o ofício dos ciganos dependia de estarem nas ruas e naquele momento não só o vírus, mas o serviço de abordagem social os orientavam a buscar por ajuda no CRAS e a ficarem longe das ruas por medida de segurança. Também me disseram que estavam naquele local há mais de uma década. Esse episódio me ajuda a responder essa pergunta. Precisou que uma pandemia se instalasse para que os serviços da assistência social estreitassem os vínculos com os ciganos da cidade em que trabalho. Precisaram passar por importantes dificuldades de sobrevivência para uma aproximação real com as condições de realização da vida dessas famílias. Me parece que o Brasil continua a preferir os serviços emergenciais, em detrimento da preservação da dignidade, da cultura e da sobrevivência de povos tão vulneráveis. Penso que o decreto também não provocou mudanças significativas na condução da proteção social dos ciganos, e isso se deve, também, pela condição de vulnerabilidade que os ciganos possuem. A organização dos grupos é muito fragilizada por condições habitacionais adversas e pela baixíssima escolaridade que possuem. O preconceito é outro importante atravessamento da organização desses grupos. Assim, o trabalho de proteção social também é um trabalho de organização comunitária e de assistência técnica, no sentido de organização e visibilidade das demandas e questões.

(C ) Você poderia trazer para nós aspectos que você analisa como centrais sobre acesso (ou não) das populações ciganas aos serviços e políticas sociais e que estratégias você tem utilizado em seu campo de trabalho para atendimento às demandas destes grupos a partir de suas especificidades?

(I) Com certeza o preconceito é um grande entrave para o acesso. As recomendações que fiz menção na pergunta anterior expressa como os profissionais também se deixam contaminar por crenças urbanas. O preconceito se exacerba com os demais públicos atendidos pela assistência social. Na minha intervenção, tenho o apoio estratégico da Diretoria de Direitos Humanos e da Coordenadoria das questões raciais. A gente vem traçando estratégias locais de sensibilização dos/as profissionais e dos serviços. Também garantimos os atendimentos no território, o que nos permite o maior e melhor conhecimento sobre a cultura e sobre a realidade desse povo. O atendimento com dignidade e com respeito fez com que pudéssemos dobrar o quantitativo de ciganos atendidos, em pouco mais de um ano de trabalho. Percebo que são estratégias diferentes. Uma diretamente com a sociedade civil e com os serviços públicos e seus executores e outra com a vinculação e pertencimento desse público como prioritário ao nosso atendimento.

Na imagem, a assistente social Izadora Praça com Euza Batista Miranda

Na imagem, a assistente social Izadora Praça com Euza Batista Miranda. 

Aqui, a conversa de Izadora Praça e as ciganas Euza e Sintian

Izadora : Qual o maior desafio no atendimento dos ciganos no setor público, tanto na saúde, nas escolas, assistência no CRAS , no CREAS, nos hospitais..

Euza – De início, a gente ia no Posto de Saúde e as pessoas não nos entendiam direito, agora não. Combinavam para nós irmos e não tinha nada feito. Pedia uma receita controlada, diziam que iam tirar e quando a gente chegava lá não estava. Parecia que éramos discriminados pelas pessoas, sim. Mas, depois que nós passamos a conhecer o CRAS passamos a ser bem recebidos. Agora no postinho a gente também é bem recebido, tratam muito bem.

Já senti discriminação muitas vezes, talvez por não entenderem o que a gente fala. A nossa língua a gente não pode ensinar para ninguém, é uma tradição de nós mesmos, não é ensinado no livro, não é de nada. As pessoas não entendem o que a gente tá falando, acham que a gente está xingando eles.

Sintian – Acho que as pessoas sentem um pouco de medo. O povo vai criando, dizendo coisas como cuidado que a cigana vai te levar… acaba criando uma discriminação contra os ciganos. Nós não temos estudos, nossa geração antiga não estudava. Agora nas escolas, graças a Deus, tratam nossas crianças bem… mas, demorou bastante para ser assim.

No passado a gente não vivia fixo nos lugares, o máximo que a gente vivia numa cidade era uns 15 dias. A Polícia mexia, não tinha água certa , não tinha luz… Acho que mudou também porque a gente tá muito tempo aqui. Inclusive, quando nós chegamos de pouco, há 11 anos, bateu um grupo de polícia , que até o Exército veio tirar o pessoal dos terrenos. Mas, aí declarou tudo certinho, declarou que comprou, aí eles pararam de se envolver com os ciganos. Achavam que a gente tinha invadido isso daqui , diziam que se não tinha banheiro a gente não podia ficar.

Euza – Nós não somos pessoas agressivas, agitadas, nós não gostamos de tratar os outros mal No início era maior dificuldade eu marcar minhas consultas, pra mim e pro meu menino. Tinha a doutora Valéria e aos poucos fomos acertando tudo.