Confira aqui a entrevista na íntegra


Segundo a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN (Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006), por Segurança Alimentar e Nutricional – SAN entende-se a realização do direito de todas as pessoas ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. Mas, sabemos que a realidade no Brasil está longe do que reza a referida lei.

Para falar sobre a LOSAN e o momento atual, o CRESS Rio de Janeiro convidou a assistente social Alessandra Quintes, que já atuou como secretária executiva no Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Município do Rio de Janeiro (Consea-Rio) e no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA). Vale acrescentar, ainda, que Alessandra também foi conselheira municipal no Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) e no Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (COMDEF-RIO) ambos da cidade do Rio de Janeiro.

(CRESSRJ) Qual o papel dos Conselhos de Segurança Alimentar dentro da atual conjuntura, onde se encontra um aumento significativo de famílias em insegurança alimentar?

(Alessandra Quintes) Os Conselhos de Segurança Alimentar possuem o compromisso com ações voltadas para a promoção da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA).
Possui como finalidade o controle social e o exercício de uma participação ativa no acompanhamento de políticas públicas relacionadas a SAN e DHAA, assim como no encaminhamento de ações propositivas, monitoramento e a avaliação da situação de Segurança Alimentar e Nutricional do país, formulação e implementação de programas e ações que constituem a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

No que tange ao Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA-Rio) sua finalidade é “defender o direito constitucional de cada pessoa à alimentação e à segurança alimentar e nutricional, bem como auxiliar a Administração Pública na análise, planejamento, formulação e aplicação de políticas, na fiscalização das ações governamentais e nas decisões de matéria de sua competência, além de apoiar, propor, acompanhar, definir, políticas, planos, programas e ações que assegurem a todos o direito humano à alimentação adequada”. (Decreto nº 36979, de 9 de abril de 2013 do Consea-Rio).

(CRESSRJ) Como se encontra a atual composição dos Conselhos de Segurança Alimentar e como se dá a participação da sociedade civil dentro desse espaço de controle social?

(Alessandra Quintes) O Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA-Rio), é uma instância colegiada, de controle social, não jurisdicional, permanente. Criado através do Decreto nº 22776, de 03 de abril de 2003, o Consea-Rio “tem competência consultiva, propositiva e fiscalizadora de verbas ou recursos de fundo, projeto, plano ou programa de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) no município do Rio de Janeiro”.

O Consea-Rio é composto por membros titulares e seus respectivos suplentes: sendo 24 representações atualmente, por 1/3 (um terço) de representantes do poder público, designados pelo prefeito, e, 2/3 (dois terços) de representantes da sociedade civil organizada eleita , para o mandato de 02 (dois) anos.
A gestão do Conselho de Segurança Alimentar do Rio é renovada a cada dois anos, sendo realizada eleição dos novos conselheiros representantes da sociedade civil organizada e a indicação dos novos conselheiros representantes governamentais para a nova gestão.

Cabe ressaltar que no processo eleitoral ocorrido no corrente ano, para eleição dos novas representações da sociedade civil, foram elaboradas estratégias pela Comissão Eleitoral com suporte da secretaria executiva do Consea-Rio, contribuindo para o aumento significativo da participação de representantes da sociedade civil organizada neste pleito: articulação com outros conselhos de direitos para divulgação do edital eleitoral, participação em reuniões com representantes da sociedade civil de diferentes territórios da cidade abordando o processo eleitoral, divulgação do processo eleitoral de diversas formas virtual e presencial, dentre outras ações realizadas.

Ao Consea-Rio compete também: articular áreas do governo municipal e de organizações da sociedade civil para implantação e implementação de medidas voltadas para o combate às causas da fome e da insegurança alimentar e nutricional; apoiar, planejar, coordenar e promover campanhas, com as temáticas da Segurança Alimentar e Nutricional; propor ao Poder Executivo Municipal, considerando as deliberações da Conferência Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional do Rio de Janeiro, às diretrizes e prioridades da Política e do Plano Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, de promoção e garantia do DHAA, e de controle e monitoramento de SAN, entre outras atribuições.

(CRESSRJ) Os Conselhos de Segurança Alimentar têm discutido estratégias de ações junto à sociedade?

(Alessandra Quintes) Discussão conjunta com outros atores do 1º Plano de Segurança Alimentar e Nutricional, incluindo o levantamento das Deliberações das Conferências Municipais de Segurança Alimentar e Nutricional;
Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE: acompanhamento das ações para execução do PNAE e do atendimento da compra da agricultura pelo PNAE, articulações com movimentos sociais, conselhos sociais e defensoria pública, participação em audiências públicas, realização de reuniões e debates sobre fornecimento de alimentação escolar no contexto da pandemia, cartão de alimentação escolar, dentre outros.

Agricultura familiar e agricultura agroecológica lutando pela manutenção dos espaços de comercialização como o Circuito Carioca de Feiras Orgânicas; A Extinção do Consea Nacional; O retorno do Brasil ao Mapa da Fome; Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional – SAN e da Agricultura Carioca: Articulação para a reestruturação. Organização anualmente da Semana da Alimentação Carioca (SAC).
Além das demais pautas referentes a ação municipal em relação à questão da Segurança Alimentar e Nutricional (Programa Hortas Carioca, Cozinhas Comunitárias, Restaurante Popular), a discussão de ações de controle social (reunião interconselhos), dentre outras.

(CRESSRJ) Como se dá a interlocução com as demais políticas, em especial de Assistência Social? Quais desafios postos, diante de um cenário regressivo e de desmonte dos direitos conquistados a partir da Constituição de 1988?

(Alessandra Quintes) Na Declaração Universal dos Direitos Humanos o conceito de Segurança Alimentar e Nutricional foi fortalecido com a noção de Direito Humano à Alimentação (DUDH, art. 25). Os tratados e normas internacionais e os dispositivos legais passaram a reconhecer o direito de toda pessoa a uma alimentação adequada e de estar livre da fome. A expressão Direito Humano à Alimentação Adequada tem sua origem no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ocorrido em 1966.

No Brasil a Constituição Federal de 88 é promulgada no contexto de lutas dos movimentos sociais em prol da regulação dos direitos, melhores condições de vida para a classe trabalhadora do campo e da cidade,e trazendo uma nova definição de Assistência Social, integrando o tripé da Seguridade Social, sendo destinada a quem dela precisar, independente de contribuição.

A partir deste marco temos avanços importantes para a Assistência Social: a LOAS, PNAS, SUAS e a criação do programa Bolsa Família. Para a Segurança Alimentar e Nutricional a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, o início da Ação da Cidadania liderada pelo sociólogo Herbert de Souza (Betinho), a criação do primeiro Conselho Nacional de Segurança Alimentar e a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Outro aspecto importante foi a alteração realizada pela Emenda Constitucional nº 64, de 4 de fevereiro de 2010 no artigo 6º, incluindo no texto constitucional a alimentação como direito social.

Neste contexto, a Política Nacional de Assistência Social e a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional alcançam o patamar de políticas públicas, como dever do Estado e direito do cidadão e da cidadã.
Em 2020, o mundo se depara com a pandemia da COVID-19. De acordo com o Observatório do COVID-19 da Fiocruz (2021) e o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) entre o período de 5 e 24 de dezembro de 2020, aponta o cenário pandêmico vivenciado que agravou as mazelas sociais e constata que o acesso à alimentação foi fortemente impactado, aumentando o número de pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional. A insegurança alimentar está relacionada com as históricas desigualdades no Brasil.

Diante disto, depois de recuar significativamente até meados da década passada, a fome voltou a crescer no Brasil e a insegurança alimentar e nutricional disparou nos dois últimos anos. O cenário apresentado mostra a combinação das crises econômica, política e sanitária, as quais vêm provocando uma imensa redução da segurança alimentar e nutricional (SAN) em todo o nosso país, conduzindo a fome aos patamares de 2004 e retornando o Brasil ao Mapa da Fome, segundo a Organização das Nações Unidas (Rede PENSSAN,2021).

O sistemático desmonte das políticas públicas, o retorno do Brasil ao mapa da fome e a pandemia de Covid-19 contribuem para reforçar a urgência da necessidade do combate às causas da fome no país.
A Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional tem o caráter transversal, e a Política de Assistência Social deve inserir-se na articulação intersetorial com outras políticas sociais para que suas ações não sejam fragmentadas e se mantenha o acesso e a qualidade dos serviços. A Política de Assistência Social como política de proteção social articulada a outras políticas do campo social, buscam a garantia de direitos que promovam a sobrevivência digna do cidadão.