A segunda parte da série do CFESS sobre a nova Lei do BPC aponta que o atendimento remoto não resolve questões cruciais para acesso aos serviços do INSS
A segunda parte da série “Assistente Social, explica pra gente”, que traz os prejuízos da nova lei do Benefício de Prestação Continuada (Lei nº 14.716/2021), aborda o tema da teleavaliação. A nova lei do BPC autoriza, em caráter excepcional, que o atendimento para fins de avaliação social, realizada por assistentes sociais, ocorra remotamente.
O assunto está em alta depois que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) anunciou nesta semana que pretende implantar, a partir do dia 26/7, um projeto-piloto de avaliação social remota.
À primeira vista, a teleavaliação aparece como solução para agilizar a longa fila de solicitações de benefícios que aguardam avaliação do Instituto. Em reportagens divulgadas nesta semana pela mídia, pessoas ditas “especialistas” em direito previdenciário “comemoram” a teleavaliação, sem saber ao menos o que é uma avaliação social realizada por assistentes sociais e o peso que ela tem na concessão de um benefício.
“A teleavaliação não vai diminuir a fila de solicitações represadas, não garante o sigilo e a privacidade no atendimento, compromete a qualidade da avaliação social, podendo resultar na negação de um direito, e sem contar que enfraquece o serviço social do INSS”, avalia a conselheira do CFESS e assistente social do Instituto, Lylia Rojas.
Ela aponta que a teleavaliação é só uma parte de um problema maior, que começa com o Meu INSS Digital, sistema de agendamento e consultas on-line do Instituto. “O público que mais necessita do BPC, que são pessoas idosas e com deficiência em situação de extrema pobreza, são as que menos têm acesso e sabem usar as tecnologias de comunicação (celulares e computadores)”, ressalta.
A segunda parte da série “Assistente Social, explica pra gente”, portanto, elenca os principais problemas da teleavaliação, que vão do não acesso às tecnologias, passando pela descaracterização da avaliação social enquanto instrumento de análise aprofundada sobre determinada doença/deficiência dentro de um contexto social e econômico, até a sobrecarga dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e do peso no bolso da população usuária por não ter o INSS como porta de entrada para orientação e requerimento dos benefícios
Confira (conteúdo dos cards):
Retomando a conversa…
Na primeira parte da série sobre a recém-sancionada Lei nº 14.176/2021, que alterou os critérios de concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), ficou nítido que a nova legislação vem para dificultar e limitar o acesso de pessoas idosas e deficientes ao benefício, pois propõe formas e critérios excludentes para concessão. Nesta segunda parte, o assunto é a chamada teleavaliação. Será mesmo que ela é “boa” para a população usuária? Vamos conferir!
O que é a teleavaliação?
É a avaliação social (§ 6º do art. 20 e o art. 40-B da Lei nº 8.742/1993) realizada por meio de videoconferência (on-line). A nova lei do BPC autoriza, em caráter excepcional, que o atendimento para fins de avaliação biopsicossocial, realizada por assistentes sociais, ocorra remotamente. A partir do dia 26/7, o INSS dará início a um projeto-piloto para a avaliação remota, noticiada como um “ganho”, pois iria agilizar o atendimento. Pode parecer um facilitador, mas não é bem assim.
1º problema: dificuldade do uso das ferramentas on-line
Com a implantação dos serviços digitais do INSS, um dos grandes entraves para parte da população usuária é a dificuldade no acesso e uso das tecnologias de comunicação (celulares e computadores). Em especial, pessoas requerentes do BPC, cuja renda per capita é inferior a ¼ do salário mínimo e em situação de extrema pobreza, e não têm recursos financeiros para um ter celular ou computador com internet.
2º problema: a falta de privacidade/sigilo
A avaliação social é uma análise aprofundada sobre determinada doença/deficiência de uma pessoa dentro de um contexto social e econômico. Quando uma requerente é atendida pelo serviço social, vários aspectos são avaliados: discriminação e preconceito vividos, situação familiar, acesso (ou não) a serviços, impactos/dificuldades no cotidiano. Abordar esses assuntos requer privacidade, o que é impossível de ser garantido em um atendimento remoto, já que não ocorrerá no espaço adequado, como em uma sala com sigilo garantido.
3º e 4º problemas: atendimento superficial e represamento das solicitações
A avaliação social é um instrumento que requer uma escuta especializada e aprofundada, e envolve respeito, privacidade e confiança entre população usuária e assistentes sociais. E não é possível garantir que isso ocorra de forma remota, intermediada pelo meio digital.
Além disso, não resolverá o acúmulo de atendimentos, apenas maquiando um problema já denunciado há anos: o número insuficiente de servidores e servidoras, em especial assistentes sociais, para dar conta da demanda crescente de requisições.
5º problema: categorização de saberes
A presença física da pessoa requerente de benefíco a uma agência do INSS será necessária para a avaliação da perícia médica. Isso coloca duas categorias essenciais na avaliação biopsicossocial em patamares distintos de relevância: o serviço social, que terá seu trabalho prejudicado pelos entraves da modalidade remota; e a perícia médica, que seguirá de forma presencial. Quem perde é a população usuária, que terá uma avaliação social com a qualidade comprometida.
6º problema: sobrecarga dos CRAS
A dificuldade no uso do INSS digital (sistema on-line) leva a população usuária a dois caminhos: buscar serviços presenciais (como os Centros de Referência de Assistência Social – CRAS), ocasionando um aumento significativo de demandas do INSS atendidas no âmbito desses Centros; ou ainda, contratar intermediários (profissionais sem qualquer vínculo com o INSS) para ter orientações previdenciárias. Com isso, o INSS deixa de fazer sua função de orientar sobre os direitos previdenciários e benefícios que operacionaliza!
Vale lembrar que…
Atualmente, é garantia legal o atendimento domiciliar ou hospitalar em situações onde há impossibilidade de locomoção /deslocamento da pessoa idosa e/ou com deficiência. O/a assistente social realiza a visita para fazer a avaliação social.
E que teleavaliação não melhora os serviços do INSS
Ela não diminui a “fila de atendimentos”, não garante o sigilo e a privacidade para população usuária e compromete a qualidade da avaliação social, o que pode resultar na negação de um direito. Também dificulta o acesso das pessoas às informações sobre os seus direitos previdenciários e enfraquece o serviço social do INSS.
Próximos assuntos
Na terceira e última parte da série, vamos falar da média de avaliação social e inversão do modelo de avaliação biopsicossocial da pessoa com deficiência.
Compartilhe esse material para a população usuária e para colegas assistentes sociais!